Sob o presidencialismo, o Brasil viveu – e ainda vive – diversas crises políticas que poderiam ser evitadas caso o sistema fosse parlamentarista. A opinião é do presidente nacional do PSB, Carlos Siqueira, que participou na sexta-feira (3) da live “A arte de governar: presidencialismo, parlamentarismo e a democracia no Brasil”, realizada pelo projeto Imaginar o Brasil, uma iniciativa interinstitucional que promove debates entre pesquisadores brasileiros e do mundo sobre política, Estado e Brasil.
Para Siqueira, as crises políticas decorrentes dos impeachments de Fernando Collor de Mello e Dilma Rousseff teriam sido solucionadas sem maiores consequências se o país tivesse escolhido o parlamentarismo como sistema de governo.
No documento de autorreforma lançado em novembro de 2019, o PSB reconhece que só é possível implementar o parlamentarismo com uma profunda reforma no sistema político-eleitoral, a começar pela diminuição do grande número de partidos que, sem identidade programática e ideológica, acabam por deformar o sistema político e, consequentemente, a democracia.
“Não podemos imaginar um sistema parlamentarista com esssa balbúrdia que existe hoje de 33 partidos representados na Câmara e no Senado, o que reflete sobretudo uma deformação do sistema político partidário e eleitoral. Existe uma enorme quantidade de partidos e, muitos deles, não significam nada, são siglas de aluguel. Isso é impossível de funcionar”, afirmou Siqueira. Para o presidente do PSB, um partido que participa de todos os governos, sendo esses de esquerda, de direita ou de extrema-direita, é um sinal de que o sistema político eleitoral está deformado, avaliou.
Há várias vantagens do parlamentarismo sobre o presidencialismo, na opinião de Siqueira. Uma delas é que, para chegar ao poder, o primeiro ministro deve formar maioria parlamentar. Neste caso, Bolsonaro sequer poderia ter se candidatado porque o PSL, partido pelo qual foi eleito, tinha apenas dois deputados, observou.
Além disso, em um sistema parlamentarista, o eleitor teria maior cuidado na escolha de seus representantes. “Hoje o eleitor esquece o deputado que votou meses depois da eleição. Se soubesse que o primeiro ministro nasce de uma maioria parlamentar, seguramente ele teria maior zelo nessa escolha”, afirmou Siqueira.
Outra qualidade do parlamentarismo é que o eleitor decide se o chefe de governo sai ou fica quando há uma crise, e não o parlamento. Isso fortalece a democracia, já que a população é novamente chamada às urnas para decidir sobre o governante de seu país, e não uma elite de políticos que tem suas conveniências partidárias e ideológicas, argumentou Siqueira. “Esse sistema me parece que tem o maior controle e sobretudo o controle é feito pelo eleitor”.
Poder imperial – O presidencialismo no Brasil tem característica quase que imperial, em parte pelo grande poder que o presidente da República tem de editar medidas provisórias, usurpando e enfraquecendo o Poder Legislativo, disse Siqueira.
Além disso, aqui um presidente da República chega a se dedicar a construir creches, por exemplo, atribuição quem nem de governo estadual é, mas de prefeitura, ao invés de se empenhar num projeto estratégico de desenvolvimento nacional, observou.
“A decantação do presidencialismo me parece claríssima em nosso país, com enormes fracassos e desafios. Por isso, nós do Partido Socialista defendemos a ideia de parlamentarismo”, destacou Siqueira.
Desgaste no mundo – Diante da ameaça que a democracia representativa sofre não só no Brasil, mas em todo o mundo, é hora de os partidos políticos se atualizarem e se tornarem contemporâneos, defendeu Siqueira. Há a urgente necessidade de melhorar e fortalecer a democracia, inclusive criando ou aprimorando um outro tipo de participação do eleitor não só nos partidos, mas nos governos, a exemplo da democracia participativa, já fixada na Constituição de 1988.
“É preciso uma renovação, uma mudança de paradigmas. Este momento de crise é uma grande oportunidade de fazermos uma autocrítica para mudar. Não podemos passar essa pandemia e voltar ao que se chama de ‘novo normal’ repetindo os erros e os paradigmas que vivemos até então”, afirmou Siqueira.
Na avaliação do presidente do PSB, o presidencialismo produz deformações não só no Brasil, mas em outros países também. Nos Estados Unidos, o sistema levou a existência de dois únicos partidos muito semelhantes na essência, embora tenham as suas diferenças. “Costumo dizer que os partidos republicano e democrata é como coca-cola e pepsi. Ou seja, quando se coloca no copo, você não sabe bem a diferença, embora haja”, disse Siqueira.
Na América Latina, depois de Perón, nenhum outro partido conseguiu governar até o fim. Na Venezuela, houve uma grande deturpação da ideia do que é socialismo. O Paraguai sofreu com uma sucessão de golpes de estado. No Chile, a experiência presidencialista também não é das melhores.
O início de tudo – Na visão do presidente do PSB, o presidencialismo já nasceu de uma maneira errada “por ter surgido praticamente de um golpe militar”. O sistema funcionou relativamente bem até a Constituinte de 1988, que trouxe as maiores conquistas sociais que já houve no país, como a universalização do ensino básico, a criação do Sistema Único de Saúde, da Previdência e Assistência social, do seguro-desemprego e da aposentadoria rural.
Mas, começou a dar seus primeiros sinais de desintegração com a eleição de um deputado “medíocre” do MDB paulista para presidente da Comissão de Constituição e Justiça, no lugar de Ulisses Guimarães, lembrou Siqueira. “Essa foi uma derrota que assisti de perto. Naquele momento, fiquei espantado. Eu disse, parece que hoje as coisas começaram a mudar para pior, porque, quando você mexe no símbolo, você desrespeita todo o histórico”, disse Siqueira.
“A partir daí, não só o MDB, mas o conjunto de partidos, e quase não sobra nenhum, entrou num processo de deterioração que, em dado momento pensávamos que ele poderia ser melhorado com a eleição e a posse de Lula em 2013”, completou o presidente do PSB.
Segundo Siqueira, a eleição de Bolsonaro poderia ter sido evitada se os partidos de esquerda tivessem compreendido a gravidade da crise do sistema político-eleitoral e se esforçado em apresentar um candidato fora do sistema político, mas que fosse comprometido em fazer as mudanças necessárias para salvar o sistema político e a democracia.
A live também contou com a participação dos professores Rubens Beçak, da Universidade de São Paulo, e de Raoni Macedo Bielschowsky, Universidade Federal de Uberlândia.