A saída do ex-ministro Abraham Weintraub não cessou a “balbúrdia” na área da Educação do governo do presidente Jair Bolsonaro.
O seu sucessor na pasta, o militar da reserva da Marinha Carlos Alberto Decotelli, antes mesmo da posse, por ora adiada, está no centro de um grave escândalo.
Desde que foi anunciado como ministro, na quinta-feira passada (25), Decotelli foi acusado de plagiar uma dissertação de mestrado e de inserir, indevidamente, em seu currículo Lattes, os títulos de doutorado e pós-doutorado.
A denúncia de plágio – prática considerada gravíssima no meio acadêmico – está sendo investigada pela Fundação Getúlio Vargas, onde o ex-militar cursou o mestrado. No caso do doutorado, a reitoria da Universidade de Rosário, na Argentina, negou que Decotelli tenha obtido o título. Conforme a instituição, ele cumpriu apenas os créditos, mas teve sua tese reprovada.
E, nesta segunda-feira (29), em nota oficial, a Universidade de Wuppertal, na Alemanha, afirmou que o brasileiro não recebeu titulação alguma, apenas participou de uma pesquisa por três meses.
Com isso, do currículo ostentado dias atrás, ao ser apresentado como um “respeitado ministro técnico”, restou até o momento a referência de que é “bacharel em Ciências Econômicas pela Uerj (Universidade do Estado do Rio de Janeiro)”. As menções ao mestrado e ao pós-doutorado foram retiradas.
Decotelli participou da equipe de transição do governo atual e entre fevereiro e agosto de 2019, presidiu o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE).
A disputa pelo comando do MEC agitou as alas ideológica, militar e civil do governo. Mas, após as revelações sobre as inconsistências de seu currículo, a indicação de Decotelli já gera constrangimento entre militares.
A nova crise leva o Planalto a buscar um quarto nome para assumir o MEC.
O episódio envolvendo o ex-oficial da Marinha foi apenas mais um entre tantos fatos críticos registrados à frente do Ministério da Educação no governo Bolsonaro.
Na prática, desde o começo da gestão Bolsonaro, a educação brasileira sofre com uma sucessão de decisões e medidas que apenas tumultuaram o cotidiano da comunidade acadêmica no pais, sem trazer nenhum avanço na área. Ao contrário, muitas delas ofereceram riscos ao pleno funcionamento do ensino.
O economista Abraham Weintraub, por exemplo, deu atenção a temas diversos, se dedicou a atacar adversários políticos e suas ideias. Só não cuidou da educação, o que sua principal atribuição. Na verdade, em uma reunião ministerial do dia 22 de abril, divulgada um mês depois pelo ministro Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal (STF), o economista revelou o seu real objetivo em Brasília, o de “lutar”.
Disse ele: “Eu percebo que tem gente com agenda própria. eu percebo que tem o jogo que é jogado mas eu não vim para jogar o jogo. Eu vim aqui para lutar. E eu luto e eu me ferro. Eu tô com um monte de processos aqui no Comitê de Ética da Presidência”.
Coerente com sua atitude agressiva, que agradava apenas à ala ideológica do bolsonarismo, Weintraub deixou o cargo em 18 de junho de 2020 protagonizando uma última controvérsia: tentar acabar com as cotas raciais nas universidades, o que não conseguiu.
O jornal Folha de S.Paulo analisou 807 mensagens publicadas por Weintraub no Twitter durante os 12 primeiros meses no cargo, excluindo respostas a outros tuítes.
Em 42% das mensagens há algum tipo de ataque. Os alvos preferidos são a imprensa, o PT e a esquerda, mas ele já atacou figuras como o presidente da França, Emmanuel Macron.
Weintraub, que não possuía nenhuma experiência na área da educação, além de período curto como professor, assumiu o Ministério prometendo “acalmar os ânimos” que estavam exaltados após a saída de Ricardo Vélez Rodriguez, cuja gestão pode ser coonsiderada calamitosa.
Como primeira diretriz, Rodriguez alterou o edital do Programa Nacional do Livro Didático (PNLD), permitindo a presença de publicidade nas obras didáticas, a retirada da exigência de isenção de erros das obras literárias e a exclusão da responsabilidade dos livros em apoiar o combate à violência contra a mulher e promoção da cultura quilombola.
Rodriguez esteve à frente da pasta por apenas 98 dias, mas realizou nesse curto período uma série de ações absurdas: a obrigatoriedade da gravação e leitura de uma carta de sua autoria, com o slogan de Bolsonaro, durante a execução do Hino Nacional nas escolas, a criação de uma comissão de avaliação para as questões da prova do Enem, para ajustá-las à “realidade social e assegurar um perfil consensual ao exame” e afirmou, entre outras declarações tão polêmicas quanto, que “as universidades devem ficar reservadas para uma elite intelectual”.
A passagem de Rodriguez, lembrada pela disputa interna no Ministério entre seguidores do escritor Olavo de Carvalho e militares, não serviu como exemplo a não ser seguido e Bolsonaro nomeou outro ministro, que além de não acrescentar medidas relevantes à pasta, retirou direitos que foram conquistados pela sociedade.
Contingenciamento de verbas
No início de sua gestão, Weintraub anunciou o contingenciamento de R$ 6 bilhões no orçamento do Ministério da Educação. As instituições de ensino tiveram seus recursos congelados afetando diretamente seus funcionamentos.
Em seguida, o chefe da pasta afirmou que cortaria recursos de universidades que não apresentassem o desempenho acadêmico esperado e estivessem promovendo “balbúrdia” em seus campus. Não satisfeito com a repercussão negativa de suas declarações, disse, sem provas, que as instituições possuem “laboratórios de drogas” e “plantação de maconha”, exercitando a conhecida verborragia fundamentalista que agrada a extrema-direita.
O bloqueio dos recursos gerou grandes manifestações de estudantes e professores contra o ministro e o governo Bolsonaro. A população foi para ruas e protestou em todos os Estados após convite, nas redes sociais, das maiores entidades estudantis e sindicais do país. A #TsunamidaEducação ficou nos trends topics do Twitter e o Ministério chegou a ser cercado por homens da Força Nacional de Segurança Pública durante um dos protestos, por solicitação do Governo Federal.
O congelamento de recursos destinados à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) foi um dos pontos de maiores protestos no período, resultando no corte de bolsas de mestrado, doutorado e pós-doutorado.
Weintraub justificou o contingenciamento devido à baixa arrecadação e meses depois, graças a inúmeras manifestações Brasil afora, anunciou que houve remanejamento interno de recursos e liberou o dinheiro sem dar detalhes de sua origem.
Educação e o coronavírus
Após os protestos que marcaram a agenda da educação em 2019 e o início da gestão do economista, Weintraub continuou a se envolver em polêmicas ao longo deste ano.
A ponto de o deputado Danilo Cabral (PSB-PE), membro da Comissão de Educação da Câmara, protocolar, em abril, o pedido de impeachment de Weintraub após o ex-ministro publicar em seu Twitter uma insinuação de que a China é a responsável pela pandemia provocada pelo novo coronavírus para se fortalecer economicamente.
João Campos (PSB-PE), Denis Bezerra (PSB-CE), Lídice da Mata (PSB-BA), Mauro Nazif (PSB-RO) e Bira do Pindaré (PSB-MA) também assinaram o documento que pede sua investigação por crime de responsabilidade pela prática de improbidade na administração pública e por falta de decoro.
Para Danilo, Weintraub foi o pior ministro da Educação que o Brasil já teve. “Ele certamente vai direto para o lixo da história. Depois de todo esse tempo, esperamos que o Governo Bolsonaro comece, a partir de agora, a tratar com respeito a educação brasileira”, ressaltou.
Este é o segundo pedido de impeachment de Danilo Cabral contra Weintraub. O primeiro foi protocolado, junto com um grupo de parlamentares, no Supremo Tribunal Federal (STF), em fevereiro, por considerarem que houve descumprimento da Constituição, ineficiência do ministro quanto à gestão das políticas de alfabetização e falhas no Enem.
Danilo Cabral também é autor de uma representação ao Conselho de Ética da Presidência da República, apresentada no ano passado, que pediu a exoneração de Weintraub do cargo.
Se, de um lado, Weintraub demonstrou grande aptidão para criar intermináveis polêmicas, de outro, não revelou a mesma habilidade para o diálogo na relação com o Congresso Nacional.
O ministro praticamente não atuou a respeito da renovação do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb), fundamental para garantir o financiamento do ensino no país.
O perfil belicoso do então ministro não o ajudou a aprovar nenhuma de suas pautas prioritárias. Perdeu em todas, como na medida provisória da carteirinha estudantil, que perdeu a validade; e também como a MP que permitia a nomeação, durante a pandemia, dos reitores e dirigentes das instituições de ensino superior e técnico, sem eleição interna. O texto foi devolvido pelo presidente do Congresso, Davi Alcolumbre (DEM-AP), por considerá-lo inconstitucional.
Os gastos do MEC em 2020 são, basicamente, de propostas de 2019, sem contar que parte considerável da renda federal prevista para o ano passado não chegou de fato ao ensino público, realidade exposta pela pandemia do coronavírus.
Manifestações antidemocráticas
“O povo tá querendo ver o que me trouxe até aqui. Eu, por mim, botava esses vagabundos todos na cadeia. Começando no STF”.
A afirmação, feita durante a mesma reunião ministerial do dia 22, rendeu a Weintraub sua inclusão no inquérito das fake news que tramita na casa. O vídeo dessa reunião foi anexado ao inquérito sobre a suposta interferência do presidente na Polícia Federal.
Estimuladas por discursos agressivos como o de Weintraub, apoiadores bolsonaristas promoveram manifestações contra poderes democraticamente constituídos, prática que vinha crescendo no governo Bolsonaro. Diante desse cenário, o governador do Distrito Federal, Ibaneis Rocha, divulgou ordem proibindo os protestos de Bolsonaristas que ficavam acampados na Esplanada.
Em um dos ataques mais intimidadores, apoiadores do presidente reunidos em frente ao STF lançaram fogos de artifícios contra a sede do STF, enquanto gritavam “Estamos em frente aos bandidos do STF. Isso é para mostrar para eles e para o bandido do GDF: não vamos arregar!”
Os atos foram repudiados pelos ministros do Supremo e houve abertura imediata de inquérito policial para investigar o caso. O presidente do STF e ministro Dias Toffoli, afirmou que os atos são financiados ilegalmente e estimulados por integrantes do próprio Estado. “Essas atitudes têm sido reiteradas e estimuladas por uma minoria da população e por integrantes do próprio Estado, apesar da tentativa de diálogo que o STF tenta estabelecer com todos — Poderes, instituições e sociedade civil, em prol do progresso da nação brasileira”, afirmou.
Os ataques de Weintraub ao STF continuaram e o último deles foi o estopim para a demissão do ex-ministro. Após o governo do DF desmobilizar os acampamentos dos bolsonaristas, ele dirigiu-se ao local para prestar solidariedade aos manifestantes que continuavam no local. Sem máscara, Weintraub conversou com o grupo, chegou a distribuir comida e voltou a afirmar: “Já falei a minha opinião, o que faria com esses vagabundos”.
Cartada final
A última ação de Weintraub à frente do MEC foi revogar uma portaria de 2016, publicada pelo ex-ministro da Educação Aloizio Mercadante, que previa cotas para negros, indígenas e pessoas com deficiência em cursos de pós-graduação em instituições públicas. A ação foi feita sem maiores explicações e criticada pela oposição e instituições de ensino que viram na atitude um retrato do retrocesso dos direitos fundamentais.
O PSB entrou com ação junto ao STF questionando a revogação da portaria. “Causa espécie a postura do Ministério da Educação em revogar sem qualquer justificativa importante normativa sobre a inclusão de minorias sociais, sobretudo diante do atual momento de questionamento mundial sobre os direitos fundamentais da população preta, em especial os protestos que ecoaram nos Estados Unidos”, consta no texto.
Diante desse cenário caótico, e com uma gestão marcada pela ausência de diálogo entre o governo federal e a agenda da educação, a demissão de Weintraub tornou-se inevitável e foi anunciada, em 18 de junho, em um vídeo inusitado em que o ex-ministro aparece ao lado de Bolsonaro. Na ocasião, ele informou que estava saindo, que “não cabia falar sobre os motivos” e que “o mais importante” era que ele iria ocupar um cargo no Banco Mundial.
Em 19 de junho, horas depois de dizer que precisava sair do país para não ser preso, Weintraub já estava viajando para Miami, mesmo dia em que o senador Fabiano Contarato (Rede) protocolou no STF um pedido de apreensão de seu passaporte imaginando que ele pudesse sair do país. O economista usou a condição de ministro da Educação para desembarcar nos Estados Unidos e fugir das restrições existentes para brasileiros devido a pandemia de Covid-19. Ele só foi exonerado por Bolsonaro no dia 20, após chegar a Miami.
Com duas investigações envolvendo seu nome correndo no STF, medidas que não impedem que ele saia do Brasil, as conversas de bastidores apontavam que o ex-ministro poderia ser preso.
O PSB, em parceria com outros cinco partidos da oposição (PT, PCdoB, PSOL, PDT e Rede), encaminhou carta nesta semana ao embaixador dos Estados Unidos no Brasil, Todd C. Chapman, manifestando preocupação com a entrada naquele país do ex-ministro da Educação Abraham Weintraub.
“Pedimos que a embaixada americana e o Departamento de Estado dos Estados Unidos clarifiquem as condições em que foi cedida a entrada de Weintraub nos EUA e em qual status ele permanece no país, tendo em vista que não mais representa o governo brasileiro, nem qualquer órgão internacional”, cita o documento.
Pelo que se observa, não há perspectivas de melhoras para o cenário da educação pública brasileira. O empresário Renato Feder, que chegou a ser cotado para assumir o cargo de ministro da Educação do governo Bolsonaro, já foi alvo de duas denúncias no Ministério Público sob acusação de sonegação fiscal, somando R$ 22 milhões.
Bolsonaro recebeu Feder, que atualmente é secretário estadual de Educação do Paraná, recentemente no Palácio do Planalto.
A agenda destrutiva da educação brasileira tem grande impacto negativo: cerca de 85% dos dispositivos das metas do Plano Nacional de Educação não serão cumpridos dentro do prazo estabelecido, que termina em 2024.
Um balanço feito pela Campanha Nacional pelo Direito à Educação apontou que a estimativa é qde ue 36 dispositivos de meta do PNE, apenas 6 devem ser cumpridos em seus respectivos prazos.
A coordenadora geral da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, Andressa Pellanda, afirmou que não é novidade que atores da educação atuem na contramão do Plano em agendas de privatização e conservadorismo.
“É até vergonhoso como muitos deles não têm o menor escrúpulo em abandonar a Lei que é a espinha dorsal da educação até pelo menos 2024 e se achar com a legitimidade para criar outras agendas, de revisão do Plano, por fora inclusive das instituições democráticas. Estamos vivendo a barbárie e o PNE precisa ser fortalecido para voltarmos a avançar na garantia plena do direito à educação”, avalia Andressa, para o portal Yahoo.