Autor: Messias Junior, sociólogo, militante do Movimento Popular Socialista (MPS) e membro do Diretório Nacional do PSB
Nesse 15 de dezembro de 2017, Miguel Arraes de Alencar, completaria 101 anos. Apresentar em poucas palavras o significado de sua experiência política para a democracia brasileira e os socialistas é uma tarefa desafiadora e reconheço, quase impossível, devido o legado deste grande líder o qual reunia habilidades de articulação, administração e princípios nacionais e democráticos raros na política brasileira. Para o Movimento Popular Socialista do PSB então, Miguel Arraes é emblemático e carrega em si várias lições. Uma delas é o apoio e a aliança de Miguel Arraes, enquanto líder popular e administrador, aos Movimentos Populares, aqui tratando mais especificamente do Movimento de Cultura Popular.
Tal Movimento foi criado durante a primeira gestão de Miguel Arraes na prefeitura de Recife em 1960 com a finalidade de divulgar e (re) produzir as manifestações da cultura popular regional e alfabetizar crianças e adultos numa perspectiva libertadora. Vivíamos um contexto de ebulição social. Nesse período, crescia as organizações da sociedade civil dos trabalhos urbanos e do campo. O país vivia mudanças de ordem urbana que fez das cidades um cenário de conflitos pela moradia. Nas zonas rurais cresciam os movimentos de camponeses exigindo reforma agrária. As ligas camponesas se multiplicam pelo nordeste.
Soma-se a esse cenário, o ideário do MCP de “elevar o nível cultural dos instruídos para melhorar sua capacidade aquisitiva de idéias sociais e políticas” e “ampliar a politização das massas, despertando-as para a luta social”. O MCP não fica apenas no campo das ideias, ele se materializou em práticas concretas. A produção de espetáculos em praça pública, a organização de grupos artísticos com oficinas e cursos de arte, exposições de pinturas, edições de livros e cartilhas, dentre outras iniciativas articuladas ao trabalho de alfabetização liderado pelo educador Paulo Freire, tornou-se referencia de educação libertadora para o país e o mundo.
Entretanto, como entidade privada sem fins lucrativos, composta de uma pluralidade de intelectuais, artistas, militantes e universitários, sem apoio ou parcerias, não conseguiria atingir tantas ações em curto período de tempo. A base material necessária para sua concretização foi resultado de convênios firmado quase exclusivamente com a prefeitura do Recife e o governo do Estado. Miguel Arraes, então prefeito de Recife (1060-1962) teve papel central nesse apoio ao MCP. Sua forte ligação com tal movimento pode ser evidenciado pelos próprios adversários que na tentativa de descaracterizar politicamente Miguel Arraes, criticavam o MCP. Apesar de enfrentar pressões de oposicionistas do governo Miguel Arraes, o MCP teve um grande desenvolvimento. Segundo Gaspar (2009),
No final de 1962, já contava com quase 20.000 alunos divididos em mais de seiscentas turmas, distribuídos entre duzentas escolas isoladas e grupos escolares; uma rede de escolas radiofônicas; um centro de artes plásticas e artesanato, com cursos de cerâmica, tapeçaria, tecelagem, cestaria, gravura e escultura; mais de 450 professores e 174 monitores de ensino fundamental, supletivo e educação artística; uma escola para motoristas-mecânicos; cinco praças de cultura, com bibliotecas, cinema, teatro, música, tele-clube, orientação pedagógica, recreação e educação física; o Centro de Cultura Dona Olegarina, no Poço da Panela, que, em parceria com a Paróquia de Casa Forte, oferecia cursos de corte e costura, alfabetização e educação de base; círculos de cultura; uma galeria de arte (a Galeria de Arte do Recife); um conjunto teatral, que já havia encenado, entre outras, diversas peças, como A derradeira ceia, de Luiz Marinho e A volta do Camaleão Alface, de Maria Clara Machado.
Tal experiência do MCP e princípio ético-transformador foi tão significante na vida de Miguel Arraes, que no congresso do Partido Socialista Brasileiro em 2003, ao falar da questão social brasileira e de como ela poderia ser resolvida, sugere:
[…] Nós precisamos entrar nestas bases (populares),conhecer a vida de nossa população, perguntar o que ela quer, quais as soluções que ela propõe. Muitas vezes encontramos, no meio do povo, soluções que dão certo. Algumas soluções propostas pelo povo dão mais certo que projetos feitos nos gabinetes, sem respeito a inteligência da nossa gente. […] Costumamos dizer que a riqueza do pobre é a imaginação que tem, para se virar e arranjar comida de coisas que inventa e que faz para sobreviver e sustentar a família. O inter-relacionamento entre “os doutores” e a população é fundamental para resolver os estrangulamentos que existem na produção brasileira, sobretudo para aqueles que não tem assistência e não conseguem ultrapassar essas barreiras do conhecimento por falta de assistência direta, por quem lhe venha ensinar como fazer. Portanto, precisamos, sobretudo, estar dentro da população, no meio da sociedade, acompanhando o que lá existe e dando as observações possíveis para que busquemos soluções que partam do conhecimento concreto das realidades de cada lugar e de cada área do país (DISCURSO DE MIGUEL ARRAES, ABERTURA DO CONGRESSO NACIONAL DO PSB, 2003)
O papel de formação, parafraseando nosso amigo e companheiro Adriano Sandri, formar a ação, não deformando-a, ou formatando-a, foi inclusive um dos eixos definidos para a constituição (2003) e instituição (2005) do Movimento Popular Socialista. Uma organização base do PSB que dentre várias iniciativas, tem como uma das preocupações centrais, formar a ação para transformar a realidade social. Esse sentido, reforça o ideário de uma educação para autonomia, assim como sugere Paulo Freire, quando chama atenção para a necessidade de preparar os brasileiros para escolher seus caminhos e suas formas de caminhar. Assim como acreditava Miguel Arraes.
Nosso (re) encontro com as bases populares, o dialogo constante entre o saber popular e o saber acadêmico, o saber popular e o saber socialista, são pontes que devemos continuar construindo, somando esforços. A multiplicação desses esforços no contexto de polarizações, de agitações sociais, de recrudescimento do fascismo social, urge a compreensão da existência de mais obstáculos e mais pontes a serem construídas, e outras que necessitam e exigem constantes reparos e alargamentos, dentro e fora do Partido.
No que se refere ao um olhar para dentro, faz relembrar novamente, o discurso de Miguel Arraes, quando vislumbrava o crescimento eleitoral do partido em 1997. Sua preocupação em adotarmos uma postura auto avaliativa, próprio de um líder que acredita na autonomia política. Sem seitas e sem sectarismos.
É preciso […] olhar nossas falhas, pois não podemos avançar sem ter consciência de que não estamos apenas querendo avançar por avançar, mas querendo avançar cada vez mais com consciência do que fazemos, e uma das primeiras coisas de fazer dentro do partido é agir democraticamente, com fraternidade com os nossos companheiros, mas também não vacilarmos diante de erros e das ações que se façam apenas por conveniências. […] Precisamos chegar junto a esses companheiros, fraternalmente, e dizer não contra eles, mas contra os vícios que porventura existam, para que possamos ter um partido justo, corajoso, um partido que se apresenta ao povo com a cabeça erquida e a consciência de que vai trabalhar pelo povo brasileiro (DISCURSO DE MIGUEL ARRAES, ABERTURA DO CONGRESSO NACIONAL DO PSB, 1997)
Quanto ao olhar para fora, trago um trecho do discurso de Arraes em 1999, revelador de sua capacidade de construir, de unir, de produzir alianças progressistas para materializar conquistas e avanços para o povo brasileiro. Sem temer estar fora do lugar, ao contrário, acreditando na atualidade de sua fala, com essa convicção que finalizo esse artigo,
Tenho a confiança de que esse avanço se dará, de que nossos adversários estão se acabando diante do povo brasileiro que agora compreende os desvios que foram cometidos, e que é necessário, então, que, de cabeça fria e com disposição, possamos avançar tanto quanto pudermos com as alianças que possamos fazer no campo popular e em outros campos, desde que nosso partido esteja consciente do papel que vai desempenhar, de mobilizar o povo para manter os objetivos principais do povo brasileiro (DISCURSO DE MIGUEL ARRAES, ABERTURA DO CONGRESSO NACIONAL DO PSB, 1999).
Militar no Movimento Popular Socialista é observar toda essa referencia, em especial no respeito a democracia, a transparência e a organização comunitária, participando das lutas cotidianas em defesa dos direitos humanos e da inclusão social.
Viva Arraes, Viva sua luta popular e democrática!