O governo federal enviou nesta quarta-feira (3) ao Supremo Tribunal Federal (STF) notas técnicas nas quais afirmou que a venda legal de armas “em nada impacta nas mortes violentas”.
Os documentos foram encaminhados à ministra Rosa Weber, em resposta ao pedido de explicações da ministra ao governo em ação ingressada pelo PSB. O partido pede a suspensão de decretos que facilitam o uso e a compra de armas de fogo no país.
De acordo com o Planalto, as mudanças foram pensadas para ‘desburocratizar procedimentos’ e evitar ‘entraves desnecessários’ à prática do tiro desportivo, mas é evidente seu intento de cumprir a promessa de Bolsonaro de facilitar o acesso da população a armas.
Em sua resposta ao Supremo, o governo argumenta que, ao sair vencedor das últimas eleições, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) ganhou ‘legitimidade popular’ para ‘concretizar, nos limites da lei, promessas eleitorais’.
Acusado de violar o poder-dever de garantir a Segurança Pública dos cidadãos, o governo afirmou ainda ser preciso reconhecer que o Estado não tem condições de garantir a proteção dos cidadãos 24 horas por dia.
Para o PSB, os decretos são inconstitucionais porque ferem os direitos fundamentais à vida e à segurança. O partido defende ainda que, embora pretendam disciplinar o Estatuto do Desarmamento, os decretos ferem suas diretrizes.
Os decretos transgridem também o princípio da separação dos Poderes e o regime democrático, uma vez que o Planalto teria assumido a função do Legislativo ao decidir sobre política pública envolvendo porte e posse de armas de fogo.
Para o advogado que representa o PSB, Rafael Carneiro, os decretos do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) traduzem uma tentativa de privatizar a segurança pública no país.
“Essas medidas violam o direito à vida, garantido pela Constituição Federal, e as prerrogativas do Parlamento”, afirma.
‘Política de armas é como a da covid-19: anticientífica’
Pesquisadores da segurança pública dizem que estudos científicos deixam claro o aumento das mortes provocadas por mais armas em circulação.
O país aponta para a volta do aumento dos assassinatos em 2020 (alta de 5%, segundo dados preliminares), justamente quando o consumo de armas acelerou ainda mais.
“A política de armas do Bolsonaro representa muito o que ele anda fazendo também com covid-19. O que as duas políticas têm em comum? Primeiro, são políticas anticientíficas, que desprezam a ciência. E, segundo, são políticas irresponsáveis e que levam ao aumento de mortes no país”, afirma o economista Daniel Cerqueira, idealizador do Atlas da Violência.
O Instituto Sou da Paz, amicus curae na ação do PSB, contabiliza 30 atos normativos publicados sobre o assunto pela gestão Bolsonaro.
“Não são bens de primeira necessidade”, diz Barroso sobre armas
A afirmação do ministro do STF, Luís Roberto Barroso, foi feita na sexta-feira passada, durante a leitura de seu voto, em ação do PSB ccontra a resolução de Bolsonaro que zerou alíquota para importação de armas. O caso estava em plenário virtual e foi suspenso por pedido de vistas de Alexandre de Moraes.
O ministro Barroso referendou decisão de Edson Fachin que suspendeu alíquota zero para importação de armas.
Em seu voto, ele assinalou que a resolução de Bolsonaro apresenta diversas incompatibilidades com mandamentos constitucionais. Entre elas, a falta de razoabilidade e proporcionalidade na renúncia tributária em momento de grave crise sanitária, econômica, social e, “muito notadamente, fiscal”.
Além disso, Barroso apontou risco para a segurança pública e estabilidade democrática e violação ao princípio da capacidade contributiva. “Armas sofisticadas importadas oferecem maior perigo do que fogos de artifício”, afirmou se referindo aos ataques de bolsonaristas na sede do STF meses atrás.
Decreto das armas de Bolsonaro facilita desvio para as milícias
Em outubro de 2019, o Ministério Público Federal (MPF) afirmou, em uma nota técnica, que o decreto do presidente Jair Bolsonaro que regulamenta o acesso a armas de fogo facilita o desvio de armamentos para as milícias.
O regulamento retirou a obrigatoriedade de policiais e integrantes das Forças Armadas, ao comprarem armas ou renovarem as licenças, comprovarem que não são investigados em inquéritos policiais ou processados criminalmente.
No documento, assinado pela Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão e pela 7ª Câmara de Coordenação Criminal, os procuradores argumentam que, como há agentes de segurança envolvidos com milicianos, a dispensa torna mais fácil o caminho para que armas de uso permitido e restrito sejam usadas pelas organizações criminosas.
Confira algumas das alterações introduzidas pelos decretos:
– aumento, de quatro para seis, do número máximo de armas de uso permitido para pessoas com Certificado de Registro de Arma de Fogo;
– possibilidade de substituir o laudo de capacidade técnica – exigido pela legislação para colecionadores, atiradores e caçadores (CACs) – por um “atestado de habitualidade” emitido por clubes ou entidades de tiro;
– permissão para que atiradores e caçadores registrados comprem até 60 e 30 armas, respectivamente, sem necessidade de autorização expressa do Exército;
– elevação, de 1 mil para 2 mil, da quantidade de recargas de cartucho de calibre restrito que podem ser adquiridos por desportistas por ano;
– definição de parâmetros para a análise do pedido de concessão de porte de armas, cabendo à autoridade pública levar em consideração as circunstâncias do caso, sobretudo aquelas que demonstrem risco à vida ou integridade física do requerente;
– dispensa da necessidade de registro junto ao Exército dos comerciantes de armas de pressão (como armas de chumbinho);
– autorização para colecionadores obterem armas automáticas com mais de 40 anos de fabricação e semiautomáticas.