Indiferente à gravidade da pandemia do novo Coronavírus, o presidente Jair Bolsonaro decidiu apostar no enfrentamento político e no desprezo à ciência ao se dirigir aos brasileiros, na noite desta terça-feira (24), em rede nacional de rádio e TV.

Em sua fala, Bolsonaro recomendou à população que não cumpra as medidas de isolamento social, o que contraria a estratégica que permitiu à China controlar o avanço da pandemia. O isolamento social faz parte das recomendações da Organização Mundial da Saúde e de órgãos nacionais de saúde no mundo inteiro, e é considerado decisivo para evitar o colapso do sistema hospitalar.

Sua orientação contraria também as medidas rígidas adotadas por governadores de diversos Estados, criticadas por Bolsonaro que atribui a elas o agravamento da crise econômica.

Nesta quarta-feira (25), em reunião on line com governadores do Sudeste, o presidente e João Dória (SP) trocaram acusações, o que aumentou ainda mais o mal-estar com o Planalto. À tarde, os governadores dos 26 Estados e do DF marcaram uma reunião on line, sem Bolsonaro.

“Receita Trump”

Ao seguir a receita do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, para lidar com a pandemia, Jair Bolsonaro demonstra uma prioridade à economia, defendendo a reabertura do comércio, por exemplo.

Trump estabeleceu a Páscoa como prazo para os americanos voltarem à normalidade. Tem pressa para vencer a crise do coronavírus. O presidente brasileiro defendeu também a reabertura das escolas e falou em adotar um “isolamento vertical”, que manteria em quarentena apenas idosos e portadores de doenças crônicas. A proposta já provocou críticas de profissionais da saúde.

Os dois governantes ignoram ou fingem ignorar o grande número de portadores assintomáticos do novo coronavírus que podem disseminar o contágio.

Eficácia do isolamento

Nesta quarta-feira, um estudo internacional divulgado na “Science”, assinado por cientistas dos principais centros de pesquisa do mundo, confirma que as drásticas medidas de controle implantadas na China, como o isolamento social, foram decisivas para reduzir a disseminação da Convid-19.

Entre outras medidas consideradas eficazes na China estão a quarentena de cidades inteiras, o fechamento de serviços não essenciais e a restrição nas viagens aéreas. O estudo foi feito com dados de plataformas móveis, obtidos em tempo real, na cidade de Wuhan, epicentro da epidemia.

“As intervenções implementadas incluem o aumento da testagem, o rápido isolamento dos casos suspeitos, dos casos confirmados e das pessoas que tiveram contato com eles”, diz o estudo. “Notadamente, foram adotadas medidas de restrição na mobilidade impostas em Wuhan já no dia 23 de janeiro. Restrições de viagem foram impostas em 14 outras cidades da província de Hubei logo depois.”

“Histeria”

Em sua fala, Bolsonaro ainda acusou a imprensa de ser responsável por criar na população uma “sensação de pavor” e potencializar o “cenário de histeria.” O presidente disse que, caso contraísse o coronavírus, ele não sentiria nenhum efeito por ter “histórico de atleta”.

Bolsonaro viajou aos Estados Unidos com ao menos 23 pessoas que tiveram diagnóstico positivo para a doença. Questionado sobre o resultado de seus exames, ele apenas afirma que o resultado foi negativo, mas se nega a mostrá-lo.

Durante o pronunciamento, Bolsonaro foi alvo de panelaços em ao menos dez capitais.

Imprensa Internacional

O pronunciamento do presidente Jair Bolsonaro ganhou repercussão negativa internacional, com destaque em alguns dos principais veículos de comunicação do mundo.

O jornal inglês The Guardian chamou atenção para o fato de Bolsonaro afirmar que “não sentiria nada se fosse infectado com o Covid-19”. Ao chamá-lo de “presidente de extrema-direita”, a publicação cita que Bolsonaro resistiu à adesão de medidas drásticas para impedir a propagação do que ele chamou de “gripezinha”.

Deutsche Welle, portal alemão, afirmou que o presidente é cada vez mais criticado em sua forma de lidar com a pandemia.

O francês Le Monde frisou que o presidente minimizou os riscos do coronavírus, doença que já matou 18 mil pessoas pelo mundo e forçou um terço da humanidade a aderir medidas de confinamento.

No argentino Clarín, o editor Ricardo Roa assinou um artigo intitulado “O vírus da gripe e o delírio”.