Autor: Carlos Minc
Deputado estadual (PSB-RJ)
O que une o fuzilamento de Darwin e da teoria da evolução das espécies – em nome do religioso criacionismo – aos ataques a povos indígenas, que teriam demasiadas terras para poucos indivíduos, constituindo obstáculo à mineração e ao desenvolvimento?
O que conecta a desqualificação do amor LGBTI – em defesa da família tradicional – à ofensiva contra mudanças climáticas, invenção do méirxismo cultural? Que fio costura a liberação de agrotóxicos – que contaminam nossa salada com dose diária de veneno – à proposta de não se investigar policiais que matem sob forte emoção?
Quando uma sociedade está esgarçada pela crise, pelo insuportável desemprego, por generalizada corrupção e enfraquecimento dos partidos e das utopias, está configurado o terreno propício para que germinem análises toscas, soluções simplistas, ataques a valores democráticos e civilizatórios. E para que se apontem os inimigos a serem abatidos: os recorrentes comunistas, gays, professores, pacifistas, e incluam-se ecologistas, globalistas, artistas e seguidores de Paulo Freire.
Destampam-se assim os subterrâneos do inferno, liberando preconceitos mais disfarçados, ressentimentos inconfessáveis, a volúpia de determinar a sexualidade única, a arte inconteste, sem nus corrosivos, o exame do Enem censurado, extirpado de gêneros perniciosos, a pesquisa científica manietada.
A tentação totalitária é travestida de patriotismo fardado, de moralismo unilateral, da guerra à mídia – que mal disfarça o anseio da censura, do uso da mentira e da desqualificação pessoal como método e da truculência como prática intimidatória. É a esfinge que teremos que decifrar e combater.
Nós estamos confrontados a um desafio abissal: civilização versus barbárie. A história demonstra que, com obscurantismo cultural e totalitarismo tentacular, não sobrevivem bases para práticas democráticas. Se valores civilizatórios submergirem, livros, artistas e cientistas forem censurados, será tarde para apagarmos fogueiras que consumirão a Amazônia, os livros e as liberdades.
* Artigo publicado originalmente no jornal O Globo em 19/3/2019