O presidente Jair Bolsonaro foi denunciado pela segunda vez no Tribunal Penal Internacional (TPI), com sede em Haia. A iniciativa foi protocolada na noite deste domingo (26) e é liderada por uma coalização com mais de 60 sindicatos e movimentos sociais, a maioria deles profissionais de saúde, comandada pela Rede Sindical UniSaúde.
A denúncia acusa o presidente de falhas graves e mortais na condução do combate à pandemia de Covid-19 no Brasil: “No entendimento da coalizão, há indícios de que Bolsonaro tenha cometido crime contra a humanidade durante sua gestão frente à pandemia, ao adotar ações negligentes e irresponsáveis, que contribuíram para as mais de 80 mil mortes pela doença no país”.
No texto submetido à procuradora-geral do Tribunal, Fatou Bensouda, os profissionais de saúde relatam uma atitude de “menosprezo, descaso, negacionismo”, eles afirmam também que existe dolo na postura do presidente “quando adota medidas que ferem os direitos humanos e desprotegem a população, colocando-a em situação de risco em larga escala, especialmente os grupos étnicos vulneráveis”.
“É urgente a abertura de procedimento investigatório junto a esse Tribunal Penal Internacional, para evitar que, dos 210 milhões de brasileiros, uma parcela sofra as consequências desastrosas dos atos irresponsáveis do senhor Presidente da República”, afirma trecho do texto de 65 páginas.
O Tribunal é uma corte permanente que processa e julga indivíduos que cometem violações dos direitos humanos, como genocídios e crimes de guerra ou apresentam ameaças contra a paz, a segurança internacional e violam os direitos humanos.
Atuando desde 2008 em Haia, o TPI foi planejado ainda em 1988 na Conferência de Roma. O Brasil é signatário do Estatuto de Roma, documento que regula competências e diretrizes no Tribunal, desde 2002, dois meses após o Estatuto entrar em vigor internacional.
A primeira ordem de prisão emitida pelo Tribunal contra um chefe de Estado foi em 2008 contra o ex-presidente do Sudão, Omar al-Bashir, acusado de genocídio pelos crimes cometidos na região de Darfur. Em 2011, o ex-ditador líbio Muammar Kadafi também teve a prisão decretada devido a repressão aos protestos contra seu governo.
“Bolsonaro praticou crimes contra a vida dos brasileiros ao sabotar o distanciamento social, tratar uma doença grave como ‘gripezinha’ e receitar remédio sem eficácia comprovada. Cedo ou tarde, essa conta será cobrada: ele não pode ficar impune!”, afirmou o líder do PSB na câmara, deputado Alessandro Molon.
A denúncia reacende uma das mais recentes crises do governo federal: a tensão com ministro do Superior Tribunal de Justiça, Gilmar Mendes. O Decano afirmou recentemente em entrevista que as Forças Armadas estavam “se associando a um genocídio” devido a conduta de combate à pandemia do governo Bolsonaro. Após a declaração, Gilmar divulgou uma nota na tentativa de minimizar sua fala.
O texto da denúncia cita o episódio: “Assim, por mais de uma vez, membro do Supremo Tribunal Federal, associa as políticas públicas de saúde à “genocídio”.
Além dos relatos de indiferença diante das mortes causadas pela pandemia na população brasileira, as entidades também se pronunciaram sobre a negligência com os profissionais de saúde.
“Há quatro meses, a Rede Sindical Brasileira UNISaúde começou a exigir uma resposta mais contundente à crise, como o fornecimento de EPIs (Equipamento de Proteção Individual) de qualidade aos profissionais de saúde, os mais atingidos durante a pandemia, e testagem aos assintomáticos, e essa reivindicação se tornou mais urgente agora. A coalizão quer que o governo brasileiro seja coibido de continuar agindo de forma tão negligente”.
As denúncias em Haia não são as únicas feitas em fóruns internacionais, em 2019, foram mais de 30 queixas apresentadas formalmente à ONU.
Segundo auxiliares diretos do presidente, ele minimizou a denúncia apresentado ao Tribunal e é provável que se pronuncie sobre o assunto apenas se a denúncia for de fato aceita.
O Tribunal recebe cerca de 800 denúncias por ano e leva meses até tomar uma decisão se aceita ou não a queixa, o que levaria a corte a abrir uma investigação formal.
Primeira denúncia
O Coletivo de Advogados em Direitos Humanos (CADHu) em parceria com a Comissão Arns, conjunto de entidades que reúnem juristas e acadêmicos, protocolou no fim de novembro de 2019 a primeira petição que pediu a investigação do presidente Jair Bolsonaro no Tribunal Penal Internacional.
A denúncia abordava as violações contra os povos tradicionais cometidas pelo governo federal. Os acusadores defendem que medidas propostas por Bolsonaro fortalecem e intensificam um processo de genocídio das etnias indígenas no país.
Em entrevista ao portal Pública, a advogada Juliana Vieira dos Santos, integrante do CADHu, explicou que a degradação ambiental não caminha sozinha, “ela cria um ambiente de impunidade”.
Como se estivesse prevendo o descaso com que Bolsonaro conduziria o combate ao avanço da Covid-19 no Brasil, Juliana declarou que aquela denúncia tinha como objetivo evitar o genocídio da população brasileira: “A gente traz ao Tribunal a questão ambiental como pano de fundo para mostrar que, se essa situação continuar nessa escala e com essa gravidade, a gente vai chegar sim aos crimes de genocídio”.
A primeira petição contra Bolsonaro abordava, entre outras ações, as sucessivas tentativas de esvaziamento da Fundação Nacional do Índio (Funai); a transferência do serviço florestal para o Ministério da Agricultura; a reestruturação do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama); o contingenciamento de verbas do Ministério do Meio Ambiente para a Funai; a criação de núcleos do governo para rever multas ambientais já aplicadas e a perseguição e exoneração de funcionários de públicos de órgãos socioambientais que contrariem essa política de desmontes.